quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ruça, uma amiga leal

Gaudêncio era um homem honesto, "gente boa", não fugia ao trabalho mas gostava muito do "tinto"... até se fosse branco, também servia. Tinha como companheira uma burra, a "Ruça", teimosa como todas as outras e muito arisca, pois não se deixava montar por qualquer um.... No entanto, Gaudêncio considerava a burra uma amiga leal, que tudo fazia por ele.
Nas idas à feira, a burra era poupada à carga levando-a pela corda e tinha sempre um molete de trigo para lhe dar.
Quando a "piela" era grande para não cair não montava na Ruça mas vinha todo o caminho encostado a ela, não lhe largando a corda: se ele parava ela parava também, se ele caía ela esperava...( muita paciência tinha aquela burra!)... Nesses dias de muito vinho demoravam o dobro do tempo, chegando à aldeia já altas horas da noite.
Apesar de ter estado, como volutário obrigado, na primeira grande guerra em França, não era um homem de maus fígados mas dava tudo por uma boa zaragata...
Uma vez, numa feira em Bragança, viu um fulano que já lhe tinha feito uma desfeita qualquer e ele disse para os amigos que o acompanhavam: "- Está ali um homem que me deve uma gorra de ameixas" e dito isto, aproximou-se e deu-lhe uns encontrões e uns valentes  murros. Gerou-se uma grande balbúrdia, aparece a polícia e ele, na confusão, perdeu o chapéu.
Quando, à noite, chegou a casa deu por falta do chapéu que, concerteza, serviria de prova em como ele tinha  provocado todo aquele desacato... No dia seguinte, bem cedo, foi à feira a Vinhais e comprou um chapéu exactamente igual ao que tinha perdido. Passado uns dias o sardinheiro Bousende, em passagem pela aldeia e trazendo o dito chapéu, pergunta à tia Ana, irmã de Gaudêncio:- Este chapéu não é do Gaudêncio?  Ela entra e trazendo o novo chapéu na mão responde: Não. O do Gaudêncio está aqui.
Os amigos já estavam habituados às malandrices dele que quando estava com "um grão na asa" eram muitas e boas! Contam que uma vez vinha de Oleiros com o amigo César e já vinham "bem compostos"... O César vinha à frente e ele disse-lhe: - Ó César, tu que és um homem forte, vê lá se te livras desta! e levanta a sachola para lhe dar com ela na cabeça. O outro que já estava à espera do que podia acontecer, virou-se e segurou-a no ar...
Gaudêncio não era de muitas conversas mas era  amigo de toda a gente . Tinha destas "coisas"... Era o vinho a falar e a fazer das dele!...

domingo, 10 de julho de 2011

A sabedoria dos mais velhos

Existia um burguês muito rico, que se gabava de serem em ouro o seu carro e os bois. No entanto, o povo dizia:
Janeiro geadeiro,
Fevereiro farrapeiro,
Março escaravanaço,
Abril águas mil peneiradas por um mandil, todas quantas quizerem vir
Maio pardo,
São João claro,
Valem mais do que os teus bois e do que o teu carro…

Apesar de os tempos serem outros, nestas coisas da lavoura a sabedoria antiga continua a ser muito actual. É usual ouvir da boca dos mais velhos diferentes provérbios que se adequam à época, ao tempo e a uma boa ou má colheita.

"No Inverno cresce o pão debaixo da neve como o cordeiro debaixo da pele."
"Em Janeiro sobe-te ao outeiro, se vires verdejar deita-te a chorar e se vires relampejar põe-te a cantar..."
"Fevereiro quente traz o diabo no ventre."
"Em Março o Sol queima o bebé no regaço e queima a dama no palácio."
"Março marçagão de manhã cara de anjo e à tarde focinho de cão."
"Água em São João tolhe o vinho e não dá pão e em Santa Marinha até na tulha faz farinha."
"Se quiseres um bom nabal pede a Deus que te nasça mal."
"Quem faz um filho no bilhó faz a cegada só"… se a criança for feita na altura das castanhas, o mais certo é que nasça no tempo da cegada. Por isso, menos braços para trabalhar no campo…

Hoje em dia, até o tempo nos prega umas partidas... as estações do ano estão diferentes, as culturas ficam dependentes das mudanças do tempo e os pássaros que migram ficam baralhados com estas alterações.
- "Até o Sol já não é o mesmo...." ouve-se dizer