domingo, 25 de dezembro de 2011

Votos de Boas Festas e próspero ano de 2012








Caros amigos, cá estamos de volta para desejar a todos um Santo Natal na companhia de todos os que vos são queridos. Nesta altura as famílias da nossa aldeia recebem a visita dos que vivem fora e os serões à lareira prolongam-se noite fora. O fumo que sai de cada chaminé denuncia o calor da lareira e os afectos pelos nossos. Infelizmente este ano ainda não tivemos neve mas o frio tem sido suficiente para que não se estraguem as carnes pelo que já começaram as "matanças".
Esperamos também que todos tenham boas "entradas" no ano de 2012. Aqueles que o desejarem podem vir jantar na casa do povo e entrar no novo ano com a rapaziada de Gondesende.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ruça, uma amiga leal

Gaudêncio era um homem honesto, "gente boa", não fugia ao trabalho mas gostava muito do "tinto"... até se fosse branco, também servia. Tinha como companheira uma burra, a "Ruça", teimosa como todas as outras e muito arisca, pois não se deixava montar por qualquer um.... No entanto, Gaudêncio considerava a burra uma amiga leal, que tudo fazia por ele.
Nas idas à feira, a burra era poupada à carga levando-a pela corda e tinha sempre um molete de trigo para lhe dar.
Quando a "piela" era grande para não cair não montava na Ruça mas vinha todo o caminho encostado a ela, não lhe largando a corda: se ele parava ela parava também, se ele caía ela esperava...( muita paciência tinha aquela burra!)... Nesses dias de muito vinho demoravam o dobro do tempo, chegando à aldeia já altas horas da noite.
Apesar de ter estado, como volutário obrigado, na primeira grande guerra em França, não era um homem de maus fígados mas dava tudo por uma boa zaragata...
Uma vez, numa feira em Bragança, viu um fulano que já lhe tinha feito uma desfeita qualquer e ele disse para os amigos que o acompanhavam: "- Está ali um homem que me deve uma gorra de ameixas" e dito isto, aproximou-se e deu-lhe uns encontrões e uns valentes  murros. Gerou-se uma grande balbúrdia, aparece a polícia e ele, na confusão, perdeu o chapéu.
Quando, à noite, chegou a casa deu por falta do chapéu que, concerteza, serviria de prova em como ele tinha  provocado todo aquele desacato... No dia seguinte, bem cedo, foi à feira a Vinhais e comprou um chapéu exactamente igual ao que tinha perdido. Passado uns dias o sardinheiro Bousende, em passagem pela aldeia e trazendo o dito chapéu, pergunta à tia Ana, irmã de Gaudêncio:- Este chapéu não é do Gaudêncio?  Ela entra e trazendo o novo chapéu na mão responde: Não. O do Gaudêncio está aqui.
Os amigos já estavam habituados às malandrices dele que quando estava com "um grão na asa" eram muitas e boas! Contam que uma vez vinha de Oleiros com o amigo César e já vinham "bem compostos"... O César vinha à frente e ele disse-lhe: - Ó César, tu que és um homem forte, vê lá se te livras desta! e levanta a sachola para lhe dar com ela na cabeça. O outro que já estava à espera do que podia acontecer, virou-se e segurou-a no ar...
Gaudêncio não era de muitas conversas mas era  amigo de toda a gente . Tinha destas "coisas"... Era o vinho a falar e a fazer das dele!...

domingo, 10 de julho de 2011

A sabedoria dos mais velhos

Existia um burguês muito rico, que se gabava de serem em ouro o seu carro e os bois. No entanto, o povo dizia:
Janeiro geadeiro,
Fevereiro farrapeiro,
Março escaravanaço,
Abril águas mil peneiradas por um mandil, todas quantas quizerem vir
Maio pardo,
São João claro,
Valem mais do que os teus bois e do que o teu carro…

Apesar de os tempos serem outros, nestas coisas da lavoura a sabedoria antiga continua a ser muito actual. É usual ouvir da boca dos mais velhos diferentes provérbios que se adequam à época, ao tempo e a uma boa ou má colheita.

"No Inverno cresce o pão debaixo da neve como o cordeiro debaixo da pele."
"Em Janeiro sobe-te ao outeiro, se vires verdejar deita-te a chorar e se vires relampejar põe-te a cantar..."
"Fevereiro quente traz o diabo no ventre."
"Em Março o Sol queima o bebé no regaço e queima a dama no palácio."
"Março marçagão de manhã cara de anjo e à tarde focinho de cão."
"Água em São João tolhe o vinho e não dá pão e em Santa Marinha até na tulha faz farinha."
"Se quiseres um bom nabal pede a Deus que te nasça mal."
"Quem faz um filho no bilhó faz a cegada só"… se a criança for feita na altura das castanhas, o mais certo é que nasça no tempo da cegada. Por isso, menos braços para trabalhar no campo…

Hoje em dia, até o tempo nos prega umas partidas... as estações do ano estão diferentes, as culturas ficam dependentes das mudanças do tempo e os pássaros que migram ficam baralhados com estas alterações.
- "Até o Sol já não é o mesmo...." ouve-se dizer

domingo, 30 de janeiro de 2011

A vida de pastor

Hora da refeição do mais pequeno, rebanho do Vermelho na corriça
em Espinhosela.



O pastor de Sabariz na festa de
Gondesende.
O ganapo era atraganado, não fosse ele de Portela. Lingrinhas e com o cabelo arruçado era muitas vezes chamado por ruço-do-mau-pelo ou pelo estopas. Mas tinha bom feitio e a língua pronta e não deixava ninguém sem resposta. Filho de uma família grande e com poucos recursos veio para Gondesende servir na casa do tio Gaudêncio. Durante o dia ia à escola, deitava as vacas e fazia os mandiletes às tias. Ao começar a escurecer levava o jantar ao pastor e trazia o leite para o sr. Abade e a srª. Professora. Levar o jantar ao Festas que andava com o rebanho de cabras do tio não era aquilo que mais gostava de fazer e muitas vezes se dormiu na beira do caminho e ficaram o pastor e os cães sem ceia. Com os pés descalços e o corpo cansado dormia-se ao toro de qualquer carvalho e só o movimentos da manhã, quando as pessoas saiam para o campo, o acordava. Com a sopa fria e sem o leite despejava os latos no chão e regressava a casa. Ele conhecia como poucos as dificuldades da vida de pastor e a riqueza que é um rebanho.
Mais tarde, já espigadote, quando ficou sem pai e teve que assumir a direcção da casa tratou logo de arranjar um gado e pedir ao irmão que o guardasse. O Xico era a pessoa talhada para o lugar pois era tímido e reservado mas ao mesmo tempo responsável e dedicado. Assim ficou traçado o destino do irmão que veio a revelar-se um bom pastor, profissão que abraçou durante algumas décadas.

O Manel Quintas filho do  tio César  de Portela (ex-pastor) na Santa Rita.

Tratar de um rebanho exige alguma sabedoria e muita dedicação. Conduzir ovelhas é como conduzir pessoas. As mais lambonas estão sempre atentas à mão do pastor na esperança de um pedaço de pão e quando o apanham seguem-no logo à espera de outro. As outras, menos informadas, seguem-nas por simpatia. E quando no fim de um dia de pasto pobre se passa ao pé de um lameiro com Outono e o pastor apanha as ovelhas com chocalho e os cala com umas folhas de carvalho. Nessa altura para a conversa, sem chocalhos e sem balir o rebanho aproveita para encher a pança. Como se diz que o pastor não rouba para levar no bolso eram muitas vezes repreendidos sem castigo.
Outra função do pastor é o planeamento familiar das ovelhas para evitar que os cordeiros nasçam durante os dias geadeiros. Para isso vestem os marões com sacas de adubo procurando que aquele aspecto de cozinheiros dificulte o namoro. E quantas vezes o pastor não é também o parteiro e tem que levar o recém-nascido ao colo. Trata-se pois de um trabalho diário que não permite domingos nem friados.

O tio Francisco que Deus tenha, pastor da casa de Portela.
Hoje em dia já são poucos os gados da freguesia pois já se contam pelos dedos de uma mão aqueles que possuem paciência para estas andanças. Em Gondesende há muito que não há gado, em Portela o gado do César desapareceu com o dono, ficou o gado do Lita (dos Gonçalos) e do Aníbal, ainda que este último também já tenha sido vendido. Em Oleiros há muito que só a filha do Charcas tem ovelhas. Há ainda alguns pastores conhecidos, ainda que de outras aldeias, como é o Vermelho de Espinhosela e o Pessanha de Sabariz. Mas fica sempre bonito ver um grande rebanho na paisagem a pastar sossegadamente ao fim da tarde.

O rebanho da filha do Charcas de Oleiros a pastar na lameira de
à fonte de ó  Cabo em Gondesende.

As cancelas do rebanho de Oleiros.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O cão do Gado transmontano















Por cá costuma dizer-se que um bom casal devia ter uma boa casa de lavoura pois a riqueza vinha do trabalho no campo. Para isso era necessário ter pelo menos uma ou duas juntas de vacas, um gado, um bom galinheiro e, pelas matanças, matar mais do que dois cevados. Os mais ricos tinham por vezes uma junta de bois e em vez da burra para os carretos e levar a merenda às obreiradas tinham um cavalo ou uma égua para os passeios dos donos. Era montado num cavalo que o tio Zé David, que Deus tenha, ia à cidade e o Sr. Abade ia dizer missa e fazer as confissões às outras aldeias da freguesia.
Os gados não costumavam ser muito grandes, até duzentas cabeças de ovelhas, e eram guardados pelo pastor com a ajuda dos cães do gado. A profissão de pastor era muito ingrata pois os dias passavam-se no monte apenas na companhia das ovelhas (canhonas) e exposto às intempéries. Hoje são já poucos os que se dedicam a esta actividade, mas um rebanho dá o leite e a lã além dos cordeiros para assar nos dias de festa.
Os cães do gado eram animais corpulentos e afoitos com os lobos mas quase sempre meigos para as crianças. Lembro-me de um deles, o Bissau, que nos passeava montados no lombo como se fosse um jumento mas quando apanhava um gato só o deixava miar uma vez. Os gatos da casa até dormiam entre as suas patas mas os de fora que se cuidassem.
Nesses tempos havia muitos lobos e os gados eram atacados quando pastavam  no monte ou às vezes nas cancelas quando os gados ficavam por lá durante a noite. Quando uma alcateia se aproximava dum gado não bastava que os cães fossem grandes e corajosos pois os lobos são matreiros e filam-se-lhe no pescoço. Para se proteger desses ataques os cães andavam muitas vezes com carrancas no pescoço. Nessa altura as carrancas eram feitas pelos latoeiros em chapa de zinco e com muitos espinhos dando aos cães um porte vaidoso com os seus vistosos colares.

Quando o frio apertava durante as nevadas ou nas noites geadeiras de inverno os gados ficavam nas corriças e os lobos passavam fome. Por vezes desciam à aldeia e apanhavam um dos muitos cães de caça que por cá havia. Um deles, o Turco, cão do gado grande e branco que era do caseiro do Ramirinho, quando sentia os lobos por perto  fugia para o telhado da casa do dono e, embora tenha partido muitas telhas, morreu de velhice.
Lembro-me também do cão que o tio Silvério recebeu de França para ajudar o paquete a tomar conta da cria. O Dick, era assim que se chamava, depressa se adaptou ao posto de trabalho e ajudava o Fernando da Rosa (O Nanoia, para os amigos), na altura criado lá da casa, a tomar conta das vacas e do touro. O Dick era grande e estava bem ensinado embora o Nanoia dissesse que ele só entendia francês e o chamasse sempre dizendo “…Dick bansi…”
Hoje já há poucos rebanhos e como não há lobos, praticamente já não existem cães do gado. Aqueles que apreciam essa raça de animais procuram preservá-la pois também faz parte da nossa cultura. A nossa, como novo elemento da familia, chama-se "Luna".