terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O cão do Gado transmontano















Por cá costuma dizer-se que um bom casal devia ter uma boa casa de lavoura pois a riqueza vinha do trabalho no campo. Para isso era necessário ter pelo menos uma ou duas juntas de vacas, um gado, um bom galinheiro e, pelas matanças, matar mais do que dois cevados. Os mais ricos tinham por vezes uma junta de bois e em vez da burra para os carretos e levar a merenda às obreiradas tinham um cavalo ou uma égua para os passeios dos donos. Era montado num cavalo que o tio Zé David, que Deus tenha, ia à cidade e o Sr. Abade ia dizer missa e fazer as confissões às outras aldeias da freguesia.
Os gados não costumavam ser muito grandes, até duzentas cabeças de ovelhas, e eram guardados pelo pastor com a ajuda dos cães do gado. A profissão de pastor era muito ingrata pois os dias passavam-se no monte apenas na companhia das ovelhas (canhonas) e exposto às intempéries. Hoje são já poucos os que se dedicam a esta actividade, mas um rebanho dá o leite e a lã além dos cordeiros para assar nos dias de festa.
Os cães do gado eram animais corpulentos e afoitos com os lobos mas quase sempre meigos para as crianças. Lembro-me de um deles, o Bissau, que nos passeava montados no lombo como se fosse um jumento mas quando apanhava um gato só o deixava miar uma vez. Os gatos da casa até dormiam entre as suas patas mas os de fora que se cuidassem.
Nesses tempos havia muitos lobos e os gados eram atacados quando pastavam  no monte ou às vezes nas cancelas quando os gados ficavam por lá durante a noite. Quando uma alcateia se aproximava dum gado não bastava que os cães fossem grandes e corajosos pois os lobos são matreiros e filam-se-lhe no pescoço. Para se proteger desses ataques os cães andavam muitas vezes com carrancas no pescoço. Nessa altura as carrancas eram feitas pelos latoeiros em chapa de zinco e com muitos espinhos dando aos cães um porte vaidoso com os seus vistosos colares.

Quando o frio apertava durante as nevadas ou nas noites geadeiras de inverno os gados ficavam nas corriças e os lobos passavam fome. Por vezes desciam à aldeia e apanhavam um dos muitos cães de caça que por cá havia. Um deles, o Turco, cão do gado grande e branco que era do caseiro do Ramirinho, quando sentia os lobos por perto  fugia para o telhado da casa do dono e, embora tenha partido muitas telhas, morreu de velhice.
Lembro-me também do cão que o tio Silvério recebeu de França para ajudar o paquete a tomar conta da cria. O Dick, era assim que se chamava, depressa se adaptou ao posto de trabalho e ajudava o Fernando da Rosa (O Nanoia, para os amigos), na altura criado lá da casa, a tomar conta das vacas e do touro. O Dick era grande e estava bem ensinado embora o Nanoia dissesse que ele só entendia francês e o chamasse sempre dizendo “…Dick bansi…”
Hoje já há poucos rebanhos e como não há lobos, praticamente já não existem cães do gado. Aqueles que apreciam essa raça de animais procuram preservá-la pois também faz parte da nossa cultura. A nossa, como novo elemento da familia, chama-se "Luna".

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