Em Gondesende, há cerca de dez anos, ainda se ouvia o chiar dos carros de bois durante os fins de tarde nos dias de verão. Primeiro eram as carradas de feno que se guardava nos palheiros e depois do alboroque do feno eram as acarrejas para trazer o cereal para as eiras, onde era depois malhado. Os eixos dos carros de bois, feitos de madeira dura, carvalho ou freixo e normalmente rachados, gemiam apertados pelas tarraxas enquanto traziam as colheitas para casa. De vez em quando eram untados com sabão ou sebo para lhe ajustar o cantar e proteger a madeira.
Uma das últimas famílias a utilizar o carro de bois foi a da tia Cândida que há cinco ou seis anos vendeu as vacas e passou a utilizar o tractor no trabalho do campo. Os animais dão muito trabalho e exigem uma atenção constante mas as pessoas vão envelhecendo e perdendo a disponibilidade e paciência para essas andanças. Em Gondesende há muito tempo que as juntas de bois haviam sido substituídas pelas de vacas, menos fortes mas criadoras de vitelos. Os carros e restantes alfaias continuaram os mesmos ainda que as carradas tivessem sido reduzidas...
O tio Augusto da Cândida com a sua enorme paciência e saber, contou-me como levou uma torada de madeira com mais de 3 toneladas desde "ó macal" até à lameira "dó porral" ao pé da estrada. Nesse tempo, trabalhava ele na casa dos Baptistas onde havia sempre uma boa junta de bois, mas nesse dia mesmo com animais fortes e bem tratados ainda foi necessário aquartar algumas vezes com outra junta para vencer as ladeiras que levam a Portela. Durante a conversa mostrou-me o carro que comprou ao Seixas de Espinhosela e que ainda conserva depois de o ter utilizado durante alguns anos e o ter emprestado ao tio Delfim quando decidiu vender as vacas. O carro dele, ainda que tenha sido sempre estimado, já necessita de alguns cuidados do carpinteiro. O problema é que já não é fácil encontrar quem saiba desta arte. Em Formil havia um bom carpinteiro assim como em Santa Comba de Rossas e aqui ao pé, em Oleiros, o Luís e o irmão também eram bons artistas, mas alguns já morreram e outros já estão velhos demais para um trabalho tão árduo. O mais difícil de fazer eram os rodados em que as cambas e os meões exigiam um grande trabalho para talhar e ajustar. Ao talhar os buracos dos rodados sobravam pedaços de madeira com a forma de meia lua que serviam depois para fazer as tropeças onde nos sentamos à lareira nas veladas de Inverno. Os do carro do tio Augusto já são de ferro mas os antigos eram em madeira e bordeados pelo aro metálico ajustado pelo ferreiro. As vacas eram presas ao jugo com as cornais e o sobeio prendia-as depois ao carro. As molidas e as rodelas protegiam a cabeça e os cornos das vacas durante o esforço para puxar os carretos ou as alfaias durante o amanho da terra. Quando uma vaca estava ainda brava ou tinha um feitio difícil recorria-se ao azear para a obrigar a obedecer ao lavrador. E se o trabalho era próximo de terrenos já cultivados então era a focinheira que, colocada na cabeça do animal, evitava que as vacas fossem pastando as colheitas enquanto trabalhavam a terra.
Todos estes artefactos o tio Augusto conserva ainda para poder mostrar aos seus netos mas o progresso certamente irá substituir todas estas ferramentas e utensílios por sistemas mecânicos feitos bem longe e de forma muito mais impessoal. Em Gondesende, situado dentro do parque natural de Montesinho, e seguindo o exemplo do tio Augusto urge reunir e preservar este espólio cultural para podermos mostrar aos vindouros e manter assim a nossa cultura.
Música Galega sobre o carro de bois:
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