quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Gondesende é uma aldeia bonita, é a minha...

A aldeia vista das Barrondas num dia nublado de dezembro
Gondesende é a minha aldeia, não por nascimento, pois vim ao mundo na freguesia da Sé em Bragança, mas sim por escolha consciente e voluntária. Foi lá que eu vivi grande parte da minha infância, quer a brincar, quer a ajudar os meus tios nas lides do campo. Lembro-me ainda quando todos jogávamos à bola nas eiras dó cachão e das caneladas com as solas de amieiro que alguns ainda utilizavam como “chuteiras”. Foi também lá que participei em muitas acarrejas e malhas onde nos enchíamos de pó e praganas, que se colavam ao suor do corpo, ao som do trator vermelho do Russo Lagarelhos. Nas noites estreladas do dia da malha deitávamos-nos de papo para o ar no chão aquecido pelos longos dias de soalheira sobre uma manta de trapos a olhar o céu estrelado e a sentirmos a nossa pequenez perante o universo imenso. Ao ver a via láctea, sempre bem visível naqueles céus claros, lá vinha a estória do caminho de Santiago e do homem que bateu na mulher por fazer a cama ao luar.
A casa da Toneca numa noite de inverno escura como breu
Mas, mais importante que tudo isto, é em Gondesende que me encontro mais próximo das raízes. Os familiares e amigos que restam lembram-me as muitas peripécias que partilhámos e as casas, algumas em ruínas, trazem-me à lembrança aqueles que já partiram e povoam ainda algumas conversas com os mais velhos. Vezes sem conta me falaram das partidas do avô Augusto e a forma com tocava de ouvido qualquer instrumento,  sanfona ou rabeca tanto dava. Mas também ouvi muitas vezes o tio David perguntar com se faz um conto com 9 notas e perante a minha hesitação respondia de imediato “…só tendes habilidade para as letras!..”
Um pisco sem medo da geada matinal a cantar na lameira de à fonte dó cabo
Aqui, onde durante muitos e muitos anos todos se uniam para, à torna jeira, realizarem as principais tarefas agrícolas, tais como: a recolha do feno, a acarreja, a cegada e a malha, ou tratar daquilo que é de todos num dia de povo decidido em conselho de aldeia, fui aprendendo a solidariedade e a força das decisões coletivas. Lembro ainda o dia em que todo o povo se uniu para atulhar um poço construído sem autorização demasiado próximo da agueira do rego. Cada casa uma enxada e todos mostraram a força da aldeia. Isto é Gondesende da minha meninice que lembro com alguma saudade.
Sempre que regresso a Gondesende para recuperar energia para mais uns meses de vida urbana, revejo muitas destas pequenas estórias. Aqui as estações do ano mudam a paisagem, as pessoas preocupam-se em colher no verão para poder ter no inverno e, mesmo sabendo que um castanheiro ou nogueira demoram uma década a dar fruto, continuam a plantá-los para benefício dos vindouros. Por aqui tudo vai funcionando como sempre sem que isso sirva de exemplo para quem decide sobre a nossa vida, lá longe, na cidade.
A aldeia é de facto bonita, construída sobre uma colina com a fraga da Orca a sul e Maquieiros a poente. À noite apenas as luzes de Maças, 8km em linha reta, se conseguem ver. De dia é muito fácil ver Gondesende desde qualquer elevação em volta da aldeia, das Barrondas, de Maquieios, da fraga de Orca ou de à Costa é possível tirar bonitas fotografias que vou colecionando sempre que posso. Neste Natal em todas elas era visível a grua do Humberto que sobressai a meio da aldeia. Como em qualquer sitio um engenho destes é sinónimo de progresso e de que alguém quer regressar e construir a sua casa para disfrutar o prazer de viver na aldeia. Mas os dias que lá passei durante esta quadra mostraram que esta grua não passa de um estranho monumento às divisões que, como o caruncho da madeira, vão destruindo aquilo que foi construído como o trabalho e a participação de todos e que todos aprendemos a admirar e estimar. Mais do que tomar partido é necessário ouvir os mais velhos e tomar os seus conselhos pois se é verdade que já se matou por um palmo de terra também é verdade que o direito romano tem mais de 2000 anos e é da discussão franca que nasce a luz. Pela parte que me toca muito gostaria de ver mais uma família em Gondesende e de poder retomar o são convívio de outros tempos, mas isto é apenas mais uma opinião.
(Mário Vaz,  Porto)

1 comentário:

  1. Um beijinho Bom Ano para ti e para a gente de Gondesende!
    Fico à espera do próximo post:-)

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