terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Tó Pedro o anarquista que chegou a sacristão de Portela


O tio Tó Pedro a tomar chá com o Lita, sentado nos rachos do esqueiro.

De batismo recebeu o nome de António mas ficou conhecido por Tó Pedro, nomeada que herdou do avô em virtude das suas parecenças. Embora dotado de muita força e capacidade para trabalhar obedecer não era o seu forte. A sua vida dedicou-a à agricultura e à brincadeira com a rapaziada mais nova, sobrinhos e amigos todos partilhavam as brincadeiras com ele. Lembro bem o jogo da palma que preenchia as veladas à lareira e que ele organizava com a rapaziada. A palmada dele, com as suas mãos grandes e calejadas era sempre a mais forte, o que o denunciava. Quando era ele a amarrar todos tentávamos a vingança, o Hélder e o Zé pequeno eram os que mais aguentavam, quanto a mim, fui muitas vezes para a cama com as palmas das mãos quentinhas e a latejar.
Dotado de larga imaginação e capacidade de improviso criou alguns hábitos que não tiveram seguidores: palitar os dentes com um prego, encher as socas com folhas de nogueira para aliviar o suor ou comer fruta verde, eram algumas das suas invenções que se perderam. Uma cebola ou um tomate verde com sal grosso eram para ele verdadeiro petisco que muitas vezes acompanhava com um melão ainda verde ou pepino. Alguns destes acepipes  pagou-os bem caros, como a diarreia que o levou à cama e quase o tosquiou quando envenenaram o mel do enxame  onde espetava o dedo sempre que passava por perto. Nesse dia, ao chupar o dedo besuntado de mel, não sentiu o sabor ao remédio do escaravelho com que a dona do castanheiro tinha temperado o petisco.
O Hélder era o mais corajoso
Apreciador de umas boas partidas não havia gato ou cão que o não temesse. E o mesmo se aplicava à rapaziada que brindava com uns mosquetes ou beliscões (muchicos) sempre que se punham a jeito. Apreciador de uns copinhos, de chá frio entenda-se!.., encontrava facilmente quem o acompanhasse; como o Lita, o Fernando Nanoia, ou até os sobrinhos!...
Embora não fosse grande frequentador da igreja chegou a sacristão!... ficaram conhecidas as longas conversas  com o senhor cura:“…o senhor padre sabe-me dizer o que está depois do céu? ”como o padre hesitasse na resposta, talvez procurando alguma explicação teológica, logo surgia a gargalhada e a explicação. “ Não vê que é o santificado, parece que não sabe o padre nosso ? ”.
Dizia que tinha que chegar o padre a beber pois era ele que levava o vinho para a missa. Vinho esse que algumas vezes deixou envinagrar e levava o senhor cura a fazer uma grande careta durante a missa. Em vez de pedir desculpa aproveitava logo para perguntar : “...o senhor padre anda chateado com o patrão?  fez-lhe cá uma careta!...”
Esta vida desregrada trouxe-lhe alguns problemas de saúde que lhe limitaram a mobilidade, e foi mais um dos seus múltiplos descuidos que lhe queimou as ceroulas e lhe arruinou as pernas. Já acamado e de papo para o ar não perdeu a malicia e sempre que uma mulher o visitava dizia “ ai filha, ai filha, deita-te aqui, deita-te aqui!..."
Como sobrinho e companheiro de algumas brincadeiras relembro com saudade o tio Tó Pedro e as traganices com que me brindava sempre que o visitava. Mas é também com saudade que lembro o heroismo com o que o Hélder se batia no jogo da palma. Mais do que suportar as palmadas ásperas dos mais velhos, como eu fazia, o Hélder puxava como ninguém as palmadas de que disfarçava brilhantemente a autoria, raramente era apanhado e amarrava com a mão nas costas.
Mário Vaz - Porto.

Sem comentários:

Enviar um comentário