quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Numa noite geadeira de Fevereiro

A ponte nova de Maquieiros sobre o rio Baceiro num dia de inverno.
Era Fevereiro, numa daquelas noites claras e geadeiras em que o frio aperta até fazer doer os ossos. Nesse ano o mês de Dezembro tinha sido muito chuvoso e o rio Baceiro levava ainda muita água. Mas um Janeiro mais seco e frio limpou a água e o rio corria com aquele aspecto límpido e transparente a que nos habituámos, com uma água que apetece beber. Como em casa se tinha acabado a farinha desta vez calhou-lhe a ele a ida para o moinho. O irmão ajudou a levar os sacos no carro da cria e regressou à aldeia com a promessa de voltar no dia seguinte para ajudar a levar os sacos da farinha. Já ao fim do dia e depois de picar a pedra e meter dois sacos de trigo na termoia, foi encaminhar a água para a cuba do moinho, levantou o rodizio para ajustar a moagem e começou a moer. Pela quantidade de sacos que tinha trazido, os da casa e o do vizinho que lhe pediu para moer três alqueires de trigo para fazer umas alheiras tardias, teria trabalho para se entreter toda a noite. Nesta altura do ano os dias são curtos e começou cedo a anoitecer. Previa-se uma noite clara mas fria e geadeira de lua cheia.
Ameijoeira para apanhar enguias.
Depois de comer um pedaço de toucinho cozido numa codêa de centeio e preparar a cama no feixe de colmo que cobriu com uma manta de farrapos e um cobertor de lã, deitou-se para descansar um pouco. O tarabelo mantinha alguma animação com aquele barulho rouco que fazia sobre a mó, mas o sono não havia maneira de querer chegar. Decidiu ir ver a agueira do moinho para se certificar de que estava tudo bem. Com a claridade do luar ainda pode ver duas ou três trutas que se escaparam em direcção à represa. Pareceu-lhe ver uma luz na beira do rio e foi sorrateiramente ver quem seria que àquela hora andava por ali. Mal se aproximou  reconheceu logo o amigo de Portela que acendera uma fogueira para se aquecer e secar a roupa. Um pouco mais abaixo pode ver as pedras mais claras de um armadeiro para ameijoeira e percebeu a razão daquele passeio nocturno. Tirou os socos e as meias de lã, dobrou as calças até ao joelho e desceu a cemba do rio coberto pelas sombras dos amieiros. Lá estava a ameixoeira e já com duas trutas. Uma delas parecia bem boa, com mais de um palmo. Com a navalha que trazia sempre no bolso preparou um gancho na ponta de uma vara que encontrou no chão e, com muito cuidado para não fazer barulho, tirou a ameijoeira do rio. Era uma boa ameijoeira, com uma malha bem feita e com as varas bem preparadas. Reconheceu logo o trabalho do irmão, pastor que tanto jeito tinha para fazer estas armadilhas,  e percebeu que aquela era a que lhe tinham roubado no último inverno.
As duas trutas que já tinham sido apanhadas meteu-as no bolso da samarra ainda a estrebuchar e levou-as com ele a pensar já no escabeche que lhe iria fazer. O peixe por ali não abundava e o sardinheiro só vinha de vez em quanto. Nesses dias uma sardinha era dividida por dois. A sorte dele é que a irmã era apreciadora da cabeça e a ele tocava-lhe sempre a parte mais carnuda. Enquanto voltava para o moinho as calças molhadas na água gelada do rio começaram a ficar duras com o gelo. Já não sentia as pernas com o frio. Quando já estava perto do moinho lembrou-se das trutas que tinha visto na agueira e lá foi fazer o armadeiro e montar a ameijoeira para aumentar a pescaria. Molhou-se outra vez na água do rio e com as calças e os pés completamente gelados voltou ao moinho onde fez uma fogueira para se secar. Já era dia claro quando acordou sobressaltado. O moinho ainda moía quando se lembrou da armadilha que tinha montado durante a noite. Calçou os socos e correu para o sitio do armadeiro. As pedras continuavam no sitio onde as pusera mas da ameijoeira, nem rasto. Não se preocupou, uma noite destas voltaria ao rio para a procurar. Naquele tempo poucos eram os que não tinham já roubado ou deixado roubar uma ameijoeira...
Hoje são outras as ocupações nocturnas e as ameixoeiras, feitas em fio de algodão, lá estão, cheias de buracos, penduradas nas paredes de pedra como troféus inúteis das noites passadas ao frio.

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